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Fazenda Botafogo de Costa Barros, um crime contra um patrimônio histórico!

Fazenda Botafogo, anos 80.
Pintura de Maria Sá Freire.

Programa Minha Casa Minha Vida, destrói a memória do subúrbio colonial carioca!

Enquanto eu estive no grupo de estudos do Instituto Histórico e Geográfico da Baixada de Irajá - IHGBI. Fiz um levantamento sobre a região, procurando fontes em arquivos, referências bibliográficas, usei o geoprocessamento, e busquei também a memória da população local. Quanto ao recorte geográfico, a Baixada de Irajá , abrange a boa parte da antiga freguesia do mesmo nome. E hoje, está fragmentada em 38 bairros e compreende também partes de Realengo, como o sub-bairro de Piraquara.

A sede da Fazenda Botafogo, era o último patrimônio de altíssimo valor histórico na baixada de Irajá, da categoria das fazendas e engenhos. E pasmem! Sobreviveu até o início da década passada, mesmo com tanta descaracterização na fachada colonial. A sua demolição, ocorreu entre o final do ano de 2011 e começo de 2012, os tratores limparam o terreno removendo os barracos das pessoas que estavam em situação de rua, que invadiram o terreno, por volta de 2004. Se a casa grande existisse hoje, seria um ótimo museu, com um lindo jardim arborizado para a servir a população local. E agora, não é mais possível reverter a situação, e a construção, não está mais presente para representar o "Brasil Colônia".  E se houvesse competência nesses órgãos públicos, teriam contratado um arqueólogo, e alguém que planejasse melhor o uso daquele terreno.

O casarão, poderia ser comparado a sede da Fazenda do Viegas, localizado em Senador Camará, pelo seu tamanho e resistência estrutural. Tinha colunas toscanas, porão e oratório no interior da casa.

A fazenda existia desde a segunda metade do século XVII. E recebeu este nome por causa do Sr. Botafogo (alcunha), e ele recebeu em "dote" por ser de uma família nobre, com gratificação pelos serviços prestados à Coroa. Possivelmente era um dos filhos de João de Souza Pereira "Botafogo" um capitão famoso, que participou da guerra de Cabo Frio na década de 1570. Ao vencer a batalha contra os tupinambás, João, ganhou o apelido "Bota-fogo", por ser um exímio combatente com sua arma de fogo. Em 1590, João de Souza, adquiriu uma grande chácara, no atual bairro de Botafogo. E lá fez uma vasta parentela, que acabou sobrando até para Costa Barros!

E este latifúndio era enorme! Confrontava ao leste com as terras da Fazenda e Engenho Nossa Senhora da Conceição de Pavuna, pelo oeste com as terras da Fazenda e Engenho Nossa Senhora de Nazareth, ao Sul com a Fazenda da Boa Esperança, e ao norte com a Freguesia São João Batista de Merity.

A Fazenda Botafogo, foi uma das maiores produtoras de açúcar e aguardente da Freguesia de Irajá durante alguns anos. Segundo o Jornal do Comércio de 1839, o Engenho Botafogo - fábrica de açúcar, rapadura e aguardente; produziu 24 pipas de cachaça neste ano.

Teve diversos proprietários anteriormente, mas, na segunda metade do século XVIII, em diante, seria da família Coutinho. Por volta de 1883, aparece em cena o Sr. Luis de Souza da Costa Barros, que seria sobrinho de Ignácio Coutinho e herdaria a casa-sede da fazenda oficialmente em 1887. Anos mais tarde, a herdeira seria sua filha D. Luíza Barros de Sá Freire, que faleceu com 99 anos em 1971. A família ficou com a fazenda até o ano de 1981, quando o governo desapropriou o que restava das terras: 66.186 m². O restante da família, continuou morando na casa grande, até 1994.

As terras da Fazenda Botafogo, iam até o outro lado da Av. Brasil, onde está o polo industrial Eternit e outras empresas. E ao norte, alcançava as margens do Rio Pavuna.

O latifúndio, abrangia os bairros de Costa Barros, Barros Filho, Coelho Neto: Conjunto Fazenda Botafogo; E partes do bairro da Pavuna: à esquerda do metrô. Tinha uma área superior a quatro milhões de metros quadrados.

Antes da desapropriação, a antiga proprietária vendeu as terras mais afastadas da casa-sede; os morros da Pedreira e da Lagartixa foram repassados para o I.A.P.I na década de 1950. Poucos anos depois, a Companhia Estadual de Habitação do Estado do Rio de Janeiro - CEHAB-RJ, adquire o terreno.

Na Secretaria Municipal do Urbanismo - SMU encontram-se alguns projetos de abertura de ruas no alto dos morros da Pedreira e Lagartixa, de 1978. O processo de ocupação da parte alta iniciou-se naquele ano e prosseguiu até 1983, para realojar famílias das favelas demolidas da Zona Sul. Os terrenos da CEHAB sofreram invasão ao longo dos anos 1980 e 1990.

Segundo um antigo morador da região, a comunidade começou a existir, porque um padre da paróquia São Luís, o Rei da França, abrigou pessoas sem-teto, por variados motivos.

Nota: Não se trata em absoluto de mostrar desprezo pelos moradores das comunidades, mas, apenas estou de fazer o levantamento histórico na região.

A construção que deveria ter permanecido como um marco histórico da ocupação da Zona Norte do Rio de Janeiro, infelizmente, não existe mais, enquanto tantos terrenos vazios, e prédios sem uso que poderiam atender à necessidade de abrigar moradias populares, foram desconsiderados ou vendidos para a iniciativa privada.

Segundo as informações cedidas pelo Sr. Luiz Henrique Reis: A avó do Sr. Luiz, era aparentado de D. Luiza. Após a expulsão da família Sá Freire, ficou sob os cuidados de um ramo da família, que ainda não havia saído do bairro.  O restante da família Sá Freire, voltaram a morar no local nos finais de 80. 

Os últimos moradores, cuidaram da fazenda com muito carinho!

Em 1994, a prefeitura, tratou de tirar a família do lugar e realojar-los, nas ruas próximas à sede da fazenda. Certamente nas adjacências da Rua Grande Otelo, e outras ruas com nomes de pessoas famosas. As ruas foram criadas, durante o programa Favela - Bairro, na gestão do prefeito César Maia. 

E a casa teve um triste destino, ficou mais de 15 anos abandonada! E foi invadidas por pessoas em situação de rua!

CONCLUSÃO

O estado não teve compromisso de preservar a história do bairro, mantendo o casarão protegido e bem cuidado. Além disso, não investiram em segurança, educação e planejamento urbano na região. Da para perceber claramente, que os nossos políticos tiveram segundas intenções, quando fizeram obras no lugar, e aí está o resultado: A nossa história foi pro lixo! Para variar, os moradores do Condomínio Botafogo, construídos pela "Minha Casa, Minha Vida" durante a gestão do governador Sérgio Cabral e presidente Dilma, foram expulsos pelos traficantes de Costa Barros.

Vejam essa notícia, foi no mesmo ano da inauguração: 

https://globoplay.globo.com/v/4517657/

EVOLUÇÃO DO DESCASO!

Im memoriam - Fazenda Botafogo.

Acima, temos as imagens do satélite extraídas do Google Earth mostrando a evolução do descaso do governo, e mais a imagem cedida pelo antigo morador da fazenda, genro do filho de D. Luiza.

Descrição das Imagens:

2003: A casa sede estava conservada, com poucos invasores. Porém, foi parcialmente destelhada, por uma minoria que vivia em seu entorno.

2006: O terreno estava sendo invadido por dezenas de famílias sem-teto, e a Casa-Sede sofreu graves descaracterizações na parte de cima (telhado), pois começaram a construir "puxadinhos" em cima dela.

2009: A ocupação dos invasores chega ao auge, quase não há espaço no terreno para construir mais barracas de madeira e tijolo.

2011: O último ano da existência da Casa-Sede.

2012: Houve a remoção dessas famílias no local e a destruição do último patrimônio da Baixada de Irajá, que representava as fazendas de açúcar.

2014: Preparação do terreno para a construção dos apartamentos que pertence ao programa: "Minha Casa Minha Vida". Sem sequer contratar arqueólogos especializados em cuidar de rastros de antiguidades.

2015: Parte 1 - Obras do apartamento em andamento. Parte 2 - Obras chegando ao término. A última imagem é a própria Fazenda Botafogo, pintada por Maria Sá Freire.

Texto e Pesquisa: Cleydson Garcia

Graduando em Arquitetura / Historiógrafo.





Comentários

  1. ...quem abrigou as pessoas-sem teto foi o espanhol padre Juan , vigário da igreja local, Matriz de São Luiz Rei da França, fundada em 19/12/1989-

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    1. Obrigado por acrescentar informações! A família que morava no casarão comentou desse padre.

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