Rua Bela de São João, 1909.
A histórica Rua Bela, foi aberta na década de 1840, como “Caminho Novo”, cortando os fundos da chácara do Murundú, e também, quando aterraram os charcos e lagoinhas do Campo de São Cristóvão. As obras, serviram para aumentar o espaço destinado às feiras e ao exercício dos batalhões da Guarda da Quinta da Boa Vista. Após 1850, passou a ser chamada de “Rua dos Quartéis”, por ser o lugar do alojamento dos militares do batalhão. E finalmente em 1870, recebeu o nome de "Rua Bela de São João", por causa da capela de São João e Nossa Senhora do Alívio, e o templo, foi construído no final da rua. Anos mais tarde, irmandade foi transferida para as cercanias de Pedregulho. Após os anos 20, reduziram o nome para "Rua Bella", pelo fato da irmandade religiosa, dedicada a São João, não existir mais na localidade. No lugar da antiga capela, foi construída a igreja de Santo André, uma construção com estilo arquitetônico Art Déco.
Casarios Históricos
A Rua Bela, tem casarios de variados estilos arquitetônicos, e foi uma das ruas mais bonitas do bairro. Selecionamos algumas fachadas e constatamos que o estilo predominante é o eclético. Contudo, cada fachada expressa o Ecletismo de forma própria, lançando mão do amplo leque de tendências que figuravam no Rio ao final do século XIX, e início do século XX. Este período, conhecido como Belle Époque, buscou seus fundamentos na École des Beaux-Arts de Paris, daí o estilo Beaux-Arts ser a referência para todos as outras tendências arquitetônicas da época. Selecionamos também, construções em outros estilos como o Art Déco, o que faz com que a Rua Bela configure um conjunto bastante representativo da história da arquitetura carioca. Nesta época, o bairro, tentava se adaptar às mudanças feitas pelo prefeito Pereira Passos.
Esse imóvel, é o primeiro que aparece na foto de 1909!
1) Sobrado Beaux-Arts:
O sobrado da esquina, é mais um exemplar do estilo Beaux-Arts, e marca presença, só que de forma mais decorada e elegante. Ainda assim, tinha influência das linhas do “Neoclassicismo Imperial”, representada pelos pequenos frontões triangulares. Quem sabe em suave aproximação com o Art Nouveau, devido aos pequenos ornamentos que remete a natureza? Os arcos plenos nas portas e janelas evidenciam a preferência pelo referido estilo. Mas não é só isso: o Romantismo, tendência muito apreciada pela monarquia brasileira, se faz mostrar na serralheria elaborada dos balcões e, em particular, do balcão que tem forma de concha na parte chanfrada. Esta fachada é bastante diversificada em linhas, formas e texturas, contando, ainda, com um embasamento rusticado.
Esse imóvel, é a terceira construção na foto de 1909!
2) Casa térrea datada de 1907:
Aqui predomina o estilo Beaux-Arts que sucedeu o “Neoclassicismo Imperial”, com suas linhas equilibradas, fazia oposição ao vibrante Barroco, tão apreciado no Brasil, até a chegada da Família Real. As janelas de madeira, infelizmente não são originais, e pelas paredes, nota-se sinais de descaracterização. A antiga janela era longa, e combinava veneziana e vidro, contribuía sobremaneira para o aspecto simétrico da fachada. O ponto culminante, é o frontão arqueado, decorado com elementos florais, e com as iniciais do proprietário da casa em estuque. A construção tinha um irmão menor ao lado, e hoje, está profundamente modificada, por acimentar a sua fachada, sem a preocupação de preservar os elementos decorativos.
3) Casa Térrea em Azul com Frontão Amarelo:
Desta vez o "Neoclassicismo Imperial" tem sua simetria desafiada pela Beaux-Arts, uma vez que a fachada se divide em dois corpos assimétricos. Um à esquerda, marcado pelo frontão, a platibanda e as três janelas. A seleção de estilemas que remetem à "Antiguidade Clássica", também chama a atenção. O frontão triangular continua presente, como no neoclassicismo. Todavia, os acrotérios em folhas de palma nas extremidades da platibanda, ganham uma nova dimensão, tornando-se uma marca significativa da Beaux-Arts, As folhas de palma na tradição cristã, representam a vitória de Deus sobre o pecado, e sua presença sinaliza que um certo enfraquecimento do racionalismo neoclássico.
4) Casa de Fachada Azulejada:
A busca pela simetria e a seleção de estilemas que remetem aos templos da Antiguidade Clássica (tríglifos, cimalhas, etc.) estabelecem uma conexão desta fachada com o Neoclassicismo Imperial. Entretanto, a frontaria azulejada nos leva, ao universo da azulejaria portuguesa, adicionando-se mais uma referência ao complexo arquitetônico da Rua Bela. Outro dado interessante, é o acesso às dependências do imóvel. Na casa portuguesa, a entrada é à frente da edificação, e na casa francesa a entrada dá-se pela lateral. Assim, podemos inferir que, a despeito da influência do "Neoclassicismo", esta construção ainda tem forte contato com a cultura lusitana, com sua volumetria aproximando-se em demasia, das casas de “porta e parede” do Brasil colonial.
5) Casa Verde Art Déco:
Casa com frontão escalonado em sintonia com o Art Déco, porém, a casa pode ter tido um outro estilo antes de ter a aparência atual. A fachada simétrica é realçada pelo friso branco ao seu redor, assim como, em torno da porta e janelas. Ainda sobre a simetria, outros elementos que agem a seu favor são a pequena marquise e a graciosa escada com corrimão em ferro fundido. O muro, também em ferro fundido, apresenta serralheria delicada, combinada com alvenaria. Sendo surpreendente que em 2019, data apresentada no histórico do Street View, ele ainda não tenha recebido algum tipo de reforço em relação à segurança. A Rua Bela é mesmo surpreendente.
6) Casas Gêmeas Beaux-Arts:
Para completar essa postagem, finalizaremos com essas casas gêmeas que estão no estilo mais simples das Beaux Arts. A platibanda é composta de pequenas volutas, dando ar de elegância e simplicidade ao mesmo tempo. Também temos nos dois imóveis, mini arcos decorados, típico desse estilo das "Belas Artes". No centro dos arcos, tinha um circulo inspirado na delicadeza das flores. Pra fechar com chave de ouro, na parte central das construções, tem um símbolo religioso, que é o famoso monograma mariano. Estava representada pela letra "M" que indica Maria mãe de Jesus, e incluía uma cruz de cristo "✞" . Isso indica, que os antigos moradores, podem ter sido católicos fervorosos e devotos marianos.
Detalhes do monograma mariano
Crítica:
Hoje, a rua está "semi-sepulta" sob as sombras do viaduto da Linha Vermelha, um mostrengo que rasgou o coração do imperial bairro de São Cristóvão. A existência deste viaduto, demonstra a tamanha falta de sensibilidade com os moradores da região, com o valor histórico do lugar, e também, com as construções antigas. O viaduto, lamentavelmente, potencializou o abandono da rua e a degradação destes imóveis. Esta obra, também camuflou o charme do bairro e piorou a qualidade do ar devido ao trânsito intenso. É necessário um banho de beleza na região, fazendo um novo urbanismo que traga bem estar, autoestima e orgulho aos moradores do bairro e também dos cariocas.
Imagens: Google Street View / Instituto Moreira Salles.
Fotógrafo: Augusto Malta, 1909.
Referências:
BRASIL, Gerson. As Ruas do Rio Antigo.
LOS RIOS FILHO, Adolfo Morales de. O Rio de Janeiro Imperial.
ZAHUR, Dahas, Cemitérios e a Santa Casa.
PREFEITURA DO RIO, São Cristóvão um bairro de contrastes.
Inspiração: The Architecture of the École Des Beaux-arts, Arthur Drexler - 1977.
Descrição: Olhar sensível da Geanine, e detalhes técnicos de Cleydson.
Texto e Pesquisa: Cleydson Garcia e Geanine Souza.
Cleydson: Graduando em Arquitetura / Historiógrafo.
Geanine: Especialista em Artes Plásticas.
Instagram: @impressoesuburbanas
Plágio é crime, sejam originais!!
O blogue está lindo! Parabéns amigo.
ResponderExcluirObrigaduu querida amiga Geanine!! É uma honra fazer a parceria com você!
ExcluirExcelente esse registro histórico do bairro de São Cristóvão. Parabéns!
ResponderExcluirValeu Professor Adinalzir!! Um abraço!
ExcluirMaravilhoso post, uma riqueza de detalhes, linda história, dá até vontade de visitar a Rua Bela . Parabéns!
ResponderExcluirMuito obrigado pelo elogio Marta!! Assim continuarei inspirado fazer mais postagens deste tipo, mais focado na história da rua, dentro do possível! Um abraço e volte sempre!
ExcluirParabéns pelo blog. Adorei essa postagem da Rua Bela. Minha tia morou em S. Cristóvão e eu lembro dessa rua sem o horroroso viaduto. Abraços.
ResponderExcluirMuito obrigado pelo elogio Marilda!! Um abraço!
ExcluirBelo histórico do casario de São Cristóvão. Foi o bairro mais importante da época do império.
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